Inteligência artificial ajuda a monitorar regeneração da Mata Atlântica

Inteligência artificial ajuda a monitorar regeneração da Mata Atlântica

IA ajuda a monitorar regeneração da Mata Atlântica - IBAM

José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – A despeito do desmatamento em larga escala praticado nos últimos séculos, que reduziu a Mata Atlântica a pouco mais de 12% de sua área original, o bioma continua a ser um dos principais repositórios de biodiversidade do planeta. E, na contramão de um processo que parecia irreversível, a cobertura florestal apresentou indícios de crescimento em décadas recentes.

Para verificar esses indícios e compreender a dinâmica de degradação e regeneração dos fragmentos florestais, um estudo conduzido no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) comparou imagens de superalta resolução obtidas recentemente por satélites com fotografias aéreas georreferenciadas colhidas em 1962. Com auxílio de pesados recursos computacionais, foi possível rastrear nas figuras a evolução da cobertura florestal, utilizando como marcadores duas espécies pioneiras de árvores: Cecropia hololeuca (embaúba prateada) e Tibouchina pulchra (manacá-da-serra).

Os resultados da pesquisa, apoiada pela FAPESP, foram divulgados no periódico PLOS ONE.

“Essas duas árvores são espécies pioneiras, que crescem depois da degradação. Nosso estudo demonstrou que a embaúba prateada é indicadora de floresta degradada e, o manacá-da-serra, indicador de regeneração florestal sobre antigas pastagens. Rastreá-las nas imagens nos possibilitou saber se o fragmento de floresta investigado evoluiu a partir de pastagem ou se já estava lá antes de 1962”, diz à Agência FAPESP o pesquisador Fabien Hubert Wagner, autor principal do artigo.

Wagner explica que esse histórico do fragmento é importante porque, quanto mais antiga e menos degradada uma formação florestal, potencialmente maior a sua biodiversidade. E tal informação é crucial para a conservação.

A região investigada estende-se, grosseiramente, de São José dos Campos e Taubaté, no planalto, até Caraguatatuba e Ubatuba, no litoral. E compreende parte do Parque Estadual da Serra do Mar. “Nesse quadrilátero, de aproximadamente 100 por 60 quilômetros, existem mais de 2 mil fragmentos florestais. Utilizando os mapas de dominância das duas espécies vegetais, constatamos que pelo menos 4,3% das florestas naturais da região atual se recuperaram após 1962”, conta Wagner.

O pesquisador supõe que essas áreas podem ter sido recuperadas na esteira da Lei 5.106, de 1966, que concedeu incentivos fiscais para iniciativas de florestamento ou reflorestamento. “Outro achado interessante do estudo, que corrobora essa hipótese, é que os bosques de eucalipto existentes na região foram plantados onde anteriormente já não havia floresta. Embora pobres em biodiversidade, essas plantações contribuíram para o aumento da cobertura vegetal”, afirma.

Além da excelente base de dados composta pelas imagens dos satélites WorldView-2 e WorldView-3, com resoluções espaciais de 0,5 metro e 0,3 metro, respectivamente, e pelas fotografias aéreas de 1962, o estudo se beneficiou do uso de uma ferramenta muito potente de inteligência artificial e aprendizagem de máquina, a rede neural convolucional U-net. “Ela reproduz o que o olho humano faz, mas em uma escala incomparavelmente maior. E consegue mapear milhões de objetos em uma única imagem”, diz Wagner.

“Verificamos que a Tibouchina pulchra (manacá-da-serra) indica claramente a regeneração florestal, pois quase todos os indivíduos foram encontrados dentro ou adjacentes a florestas recuperadas após 1962. Ao passo que a Cecropia hololeuca (embaúba prateada) apareceu quase exclusivamente em fragmentos florestais mais antigos, já presentes em 1962”, diz o pesquisador.

O mesmo procedimento será estendido a toda a Mata Atlântica, cujos fragmentos se distribuem pela faixa litorânea de 17 estados brasileiros. “Não basta saber se em determinada região tem floresta. É preciso conhecer a história dessa floresta, se ela é antiga ou recente, para poder conservá-la. Este é o objetivo do estudo”, conta Wagner.

O trabalho também recebeu apoio da FAPESP por meio dos seguintes projetos: “Diversidade funcional dos biomas Amazônia, Mata Atlântica e Cerrado nos ambientes intactos e em regeneração por meio de imagens hiperspectrais”; “Ferramentas para gerenciar imagens de satélite em array databases”; “ECOFOR: Biodiversidade e funcionamento de ecossistemas em áreas alteradas pelo homem nas Florestas Amazônica e Atlântica”; e “Entendendo as respostas do metabolismo fotossintético a variações climáticas sazonais em florestas tropicais”.

O artigo Mapping Atlantic rainforest degradation and regeneration history with indicator species using convolutional network pode ser acessado em journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0229448.



Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.